O ensino religioso nas escolas e a laicidade do Estado foi o tema central das oitivas realizadas, nesta quarta-feira (13/10), pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), que investiga casos de intolerância religiosa no estado. Pesquisadores e líderes de cultos criticaram a falta de diversidade e a imposição de ritos nas salas de aula de escolas públicas.
Membro do Observatório da Laicidade na Educação (OLÉ/UFF), o pastor Allan do Carmo Silva apresentou um estudo realizado na rede de ensino pública do município de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, de 2010 a 2011, que identificou diversas práticas que contrariam o conceito da laicidade do Estado, como a prática da oração e a celebração de datas religiosas que privilegiam o cristianismo.
“A laicidade pressupõe separação entre Estado e religião. Não pressupõe um estado ateu ou antirreligioso. O Estado não deve ser submisso a nenhuma religião nem deve privilegiar umas em detrimento de outras. Em uma escola que pesquisamos, apesar destas práticas, foi proibida a distribuição de doces de Cosme e Damião, por exemplo, o que é contraditório. Há um claro privilégio do cristianismo, principalmente das religiões evangélicas. Há uma forte presença religiosa nas escolas públicas, e há muito preconceito com religiões como a umbanda”, declarou.
Doutoranda em Educação pela PUC-RIO e também membro do Observatório da Laicidade na Educação, Fernanda Pereira de Moura ressaltou a necessidade de combater estas práticas.
“Só a laicidade do Estado pode garantir o direito à educação. Vemos muitas salas de leitura nas escolas que possuem Bíblias, mas não têm o Corão ou outros livros sagrados. Crianças são elogiadas por usarem crucifixos e outras não podem nem entrar com seus colares da umbanda. A escola é o local onde há mais prática de racismo religioso”, afirmou.
A pesquisadora descreveu o que chamou de “escalada de um comportamento fundamentalista” no país, que se reflete na negação da ciência mesmo dentro da escola. Ela relatou casos de professores que se negam a falar da Teoria da Evolução e da importância da vacinação.
“Temos uma democracia cambaleante, onde a pluralidade de ideias é violada diariamente. Há um movimento que tenta recristianizar a escola pública. Precisamos afirmar o que está disposto na Constituição Federal e na legislação educacional. Temos sim que trabalhar questões de gênero e de raça nas escolas”, defendeu Fernanda.
Vice-presidente da CPI, a deputada Tia Ju (REP) condenou as práticas relatadas, reafirmando a necessidade de o Estado não permitir o favorecimento de uma religião em detrimento de outras.
“São práticas que não deveriam existir. A liberdade de expressão dos professores é fundamental, dentro dos conteúdos programáticos. O Estado precisa ser laico de verdade, o espaço escolar é de troca de saberes”.
Sacerdote de umbanda, há 25 anos, e pós-graduado em Ciência Política, Jefferson Arouche relatou as dificuldades de manifestar sua fé. Para ele, a Administração Pública não está preparada para enfrentar os casos de intolerância e racismo religioso:
“Se apenas 10 ou 15% se declaram de religião de matriz africana é porque escondem para não serem discriminados. Minha realidade é não poder colocar as músicas da minha religião porque uma viatura da polícia já bate na porta, como não faz com outros. Fui dar doce de Cosme e Damião na escola da minha filha e gritaram para não aceitar, pois era coisa do capeta”.
Militante do Movimento Negro Evangélico, o pastor Marco Davi fez uma contextualização histórica, lembrando da luta do protestantismo pelo direito à liberdade de culto e a separação entre religião e Estado. Ele reforçou a necessidade de retomar esse movimento.
“O Estado laico só existe por causa da igreja protestante, que brigou por esta separação. Se falamos hoje de Direitos Humanos é por causa da igreja protestante, que criou esse conceito a partir do texto bíblico. Nós temos que falar de liberdade para todas as religiões, por conta da nossa história, e continuar nessa jornada que luta por liberdade e por libertação de um povo que tanto sofre. Não devemos seguir essa postura neofascista que alguns líderes religiosos promovem”, afirmou.
O deputado Átila Nunes (MDB) ressaltou a necessidade de manifestação de representantes de todas as religiões na luta pela liberdade de culto: “Há um silêncio dos presbiterianos, dos batistas, dos metodistas, dos católicos e dos neopentecostais. Nos ressentimos muito de uma manifestação destas igrejas. Mas se todos ficam ‘na sua’, é uma situação que lembra o que aconteceu no nazismo, quando muitos ficaram quietos frente às atrocidades daquele
 
  
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